quarta-feira, 4 de julho de 2012

Fim de Ciclo (1998)


Escrevi este texto há alguns anos, por razão dum pedido amigo para descrever um momento importante na minha vida. Escolhi este mas poderiam ser muitos outros.


'É engraçado, lembro-me de quase todos os pormenores mas não me lembro se estava sol ou não. Era de dia, é a certeza que tenho. Os sonhos que me vou lembrando são iguais, falta luz. Não me lembro dum sonho radioso, com um sol brilhante, mas sempre um lusco-fusco constante. A memória parece que funciona da mesma forma.

Desta forma, desconhecendo a luminosidade do momento, estava eu sentado na esplanada, angustiado, de cerveja na mão, à espera da minha vez. Estava seguro do meu trabalho, do meu esforço de meses, mas é inevitável ter a insegurança de algo acontecer: um cataclismo inesperado, de ter escrito tudo numa linguagem inexplicável, de terem apontado todas a vírgulas fora do sítio, embirrar comigo. Afinal, foi uma decisão minha de ter avançado para a entrega e discussão sem a orientação dum professor. Mas assim era, esta luta constante entre lógica e ilógica, segurança e medo. E o medo prevalecia. Enfim, era necessário defender a minha ideia em pouco menos de uma hora, o verdadeiro teste que me esperava. Três professores virados para mim a discutir algo mais que um simples trabalho, a minha ideia, a minha competência. Não foi um trabalho de anos nem uma luta imensa mas era parte de mim. No fundo sentia que estava a defender o meu carácter perante aqueles três juízes. Mas a lógica dizia que não, é um relatório, apenas e só um relatório. Sempre a dúvida.

Não estava sozinho, o João estava a fazer-me companhia. Era bom rapaz o João, estava no 3ºano, era 4 anos mais novo do que eu. Fomos colegas de grupo em estatística devido ao facto de ter arrastado a cadeira quase até ao fim do meu percurso estudantil. Ouvia as minhas lamúrias e tentava animar-me, assim o fez até chegar o momento de ir para a sala. Nunca lhe agradeci por isso, não por ingratidão mas por só passados anos ter notado o seu gesto, de simples amizade.

Para mim, a ansiedade da véspera é sempre mais intensa que a ocorrência em si. Este foi um momento que reforçou esta ideia. O evento em si foi banal, umas perguntas, umas rasteiras, respostas à altura, umas críticas e passados 20 minutos estava acabado. Não houve glorificações, nem críticas vorazes. Tem piada, após tanta agonia, estando na frente dos professores, a ansiedade parou e estava seguro de mim próprio. Perguntei, na saída, se era suficiente para passar, desconhecendo na altura que teria de esperar uns dias pela sua publicação. Negada a resposta, teria de esperar. Outra vez. Saí da sala enquanto os professores discutiam o meu futuro próximo. Decido ficar um bocadinho no átrio, abre-se a porta, uma professora olha para mim e faz o sinal que estava tudo bem.

Acabou-se. Nesse momento fecha um ciclo da minha vida. Deixo de ser estudante. Com um gesto apenas. O objectivo pelo qual trabalhei tinha sido atingido e a alegria e alívio foram imensos. Celebrei apenas com a minha irmã e meu cunhado. Mas ao mesmo tempo, uma espécie de vazio instalou-se. Por incrível que pareça aquele trabalho fez parte da minha rotina diária durante dois anos e estava acabado, era passado, faz parte duma etapa que terminou. Uma nova vida tinha começado para mim.'

2 comentários:

elogs disse...

Muito bom...

El Niño disse...

O outro gajo que escreve aqui é muito melhor. ;)